quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Salazar cai da cadeira, Marcelo senta-se.


Há uns anitos, a convite do António Paço, publiquei este texto numa colecção de livros/fascículos que se intitulava, salvo erro, os Anos de Salazar. Como hoje é 26 de Setembro, decidi pendurá-lo aqui. O título do post é o mesmo do original, mas a escolha não foi da minha responsabilidade. Fiz algumas correcções à forma do texto.

As origens do fim…
Ultrapassados os efeitos do assalto ao paquete Santa Maria no mês de Janeiro, derrotado o golpe Botelho Moniz em Abril, ganha a aposta militar feita em Angola contra a insurgência iniciada em Fevereiro-Março, amortecido o impacto da invasão do Estado Português da Índia em Dezembro e aplacada a hostilidade da diplomacia norte-americana ostensivamente manifestada desde Março com John F. Kennedy na presidência, Salazar e o salazarismo atravessaram chamuscados mas não vencidos o terrível ano de 1961. Até Setembro de 1968, quando se consumará a muito aguardada substituição de Oliveira Salazar na presidência do Conselho, o regime soube responder com êxito aos desafios que lhe foram sendo colocados e que resolve dentro dos parâmetros políticos que o definem.
Será bem sucedido no modo como enfrenta o alargamento da guerra às frentes da Guiné-Bissau e de Moçambique, nomeadamente ao manter equilibradas as finanças públicas. A economia crescerá a um ritmo muito elevado (em média 5,86% entre 1957 e 1963 e 6,7% entre 1963 e 1968), o mesmo acontecendo com os salários reais (4,7% em média entre 1957 e 1963 e 6,09% entre 1963 e 1968). A economia portuguesa abrir-se-á ao exterior, sendo a participação no projecto EFTA (1960) e a adesão ao GATT (1962) tanto causa como consequência dessa abertura. Por outro lado, o volume de população urbana e industrial irá crescer muito rapidamente, alterando a face do país. E se a emigração para a Europa mina, a prazo, a oferta de mão-de-obra, impondo um crescimento dos salários reais e da inflação, acaba também ela por exportar as tensões e as desigualdades sociais que certamente se agravariam caso aqueles que saíram tivessem permanecido no torrão natal ou nos maiores centros urbanos e industriais localizados no litoral. Finalmente, a emigração, o crescimento do turismo e do investimento estrangeiro permitirão que a balança de transacções correntes se torne excedentária à medida que a década de 1960 progride.
Paralelamente, e do ponto de vista estritamente político, o salazarismo conheceu mudanças substanciais entre 1961 e 1968. No entanto, tal não sucedeu por causa dos desafios lançados por um oposicionismo mais jovem, mais aguerrido e mais radicalizado, ou por uma reformulação ou reforço da oposição histórica de raiz “republicana” ou “monárquica”. A mudança também não decorreu do relativo isolamento internacional do regime e que era causado pelo esforço de preservação do império colonial ou pela sua natureza autoritária. As alterações não foram ainda o resultado de qualquer indisposição irreversível da instituição militar perante o regime, embora no seio desta se manifestassem sinais crescentes de perturbação por causa do arrastamento de uma guerra em três frentes. As mudanças produziram-se, fundamentalmente, em resposta à tensão existente no seio do regime entre as tendências, sensibilidades, facções e personalidades que o compunham, sendo que entre 1961 e 1968 a acção deste mosaico de tendências se intensificou nos bastidores dada a inevitabilidade da substituição de Salazar a curto ou médio prazo.
Recorde-se que, apesar da sua natureza autoritária, o salazarismo nunca foi política e ideologicamente homogéneo e, muito menos, um regime sem história. O salazarismo – ou o Estado Novo – foi uma federação de interesses e de facções das quais sobressaíram personalidades que tentaram alterar a natureza do regime ou o seu rumo, umas vezes com Salazar, outras contra ele, outras, ainda, sem ele. Independentemente de na década de 1930 homens como, por exemplo, Pedro Theotónio Pereira, por um lado, e Manuel Rodrigues, ou Duarte Pacheco, por outro, terem dado voz e corpo a duas sensibilidades político-ideológicas distintas e concorrentes no seio do Estado Novo (a primeira nacionalista e reaccionária, a segunda liberal e republicana), foi só com a remodelação governamental de 1947 que nasceram e se consolidaram, por vontade própria – embora se possa sustentar que foi Salazar quem fomentou a sua génese e afirmação –, uma ala mais conservadora e uma outra mais liberal que se perpetuaram até ao 25 de Abril de 1974. A primeira capitaneada pelo mais tarde general Santos Costa, a segunda por Marcello Caetano.
Se a remodelação governamental do Verão de 1958 pareceu apaziguar esta contenda com a saída do Governo daqueles dois homens, a verdade é que a “Abrilada” de 1961 mostrou que a conflitualidade política no seio do regime não só não tinha desaparecido, como naquela data a continuidade de Salazar à frente do Governo esteve claramente em risco. Tal sucedeu tanto por causa do movimento político-militar iniciado pelos liberais comandados por Botelho Moniz, como pela reacção dos ultras cujo principal operacional no terreno foi Kaúlza de Arriaga. Ou seja, na “Abrilada” como noutros momentos anteriores na história do Estado Novo, tanto coube a homens do regime, como a opositores deste, o desejo de levarem Salazar a afastar-se do exercício do poder, acabando Salazar por permanecer na presidência do Conselho em Abril de 1961 apenas por essa solução se apresentar aos ultras como um mal menor. Aliás, o desejo e a ambição de afastar Salazar, ou preparar a sua inevitável e imprescindível substituição, foram registados mais de duas décadas antes da exoneração de Salazar. De facto, em Junho de 1946, Costa Leite (Lumbralles) enviou ao chefe do Governo uma carta relatando uma conversa tida com Santos Costa e na qual a questão da substituição do presidente do Conselho foi inequivocamente levantada pelo interlocutor de Lumbralles quando sugeriu a criação, com um papel bem definido, do cargo de “vice-presidente do Conselho ou ministro sem pasta.”
Oliveira Salazar sempre teve uma perfeita consciência da fragilidade e do carácter transitório do seu poder. Justamente por isso, desde a Segunda Guerra Mundial, e em vários momentos, afirmou que se retiraria. No entanto, não só não o fez como recorrentemente evocava a inevitabilidade da sua retirada com o objectivo, aparentemente contraditório, de prolongar e consolidar a sua permanência na presidência do Conselho. E procedia deste modo por uma razão muito simples. Salazar percebeu que a iminência da sua saída o fortalecia e o tornava de certa forma politicamente valioso na preservação dos equilíbrios existentes no seio do regime que criara e consolidara. Isto sucedia porque cada vez que a possibilidade da sua saída parecia tornar-se mais verosímil, logo aumentava proporcionalmente a tensão e a vigilância entre as sensibilidades do regime. Nessas alturas, estas sensibilidades procuravam reforçar as suas posições com o intuito claro de poder vir a ser uma delas, ou um dos seus líderes, a receber do chefe de Estado a incumbência de ocupar a presidência do Conselho no momento em que a questão da sucessão efectivamente se colocasse. Ora era justamente o crescimento desta tensão e competição entre facções inteligentemente alimentada por Salazar, além da inépcia política daqueles que desejavam substituí-lo, que o acabava por tornar, de alguma maneira, imprescindível. Enquanto as facções do Estado Novo não encontrassem uma estratégia comum, negociada, para afastar Salazar e o substituir por uma personalidade que pudesse reconfortá-las politicamente, estavam reféns de Salazar.
Na fase final da sua governação (aquando das comemorações do 40.º aniversário do 28 de Maio de 1926), em período de crise política criada mais uma vez pela sucessão sempre adiada do presidente do Conselho e pela tensão crescente entre facções, Oliveira Salazar não resistiu, desta vez sarcasticamente, a referir-se à (im)possibilidade da sua saída do Governo e ao facto dessa certeza ser tanto o produto da sua vontade como da impotência política exibida durante décadas por parte daqueles que cobiçavam o seu lugar. Nesta ocasião (Maio de 1966) refugiou-se na questão ultramarina para justificar a sua permanência no Governo, afirmando no fim do discurso que:
“Neste lindo dia de Maio, na velha cidade de Braga e numa das salas do Palácio dos Arcebispos […] eis um belo momento para pôr ponto nos trinta e oito anos que levo feitos de amargurado Governo. Só não me permito a mim próprio nem o gesto nem o propósito, porque, no estado de desvairo em que se encontra o mundo, tal acto seria tido como seguro sinal de alteração da política seguida em defesa da integridade da pátria e arriscar-se-ia a prejudicar a situação definitivamente conquistada além-mar pelos muitos milhares de heróis anónimos que ali se batem. É então mais do que justo que os recordemos e saudemos aqui.”
Em Portugal Amordaçado, Mário Soares lembrou a importância real e simbólica desta passagem do discurso de Oliveira Salazar a que assistiu pela televisão, sublinhando que todo o seu significado se tornou por demais evidente num momento em que, por fatalidade biológica, a luta pela sucessão do presidente do Conselho atingia um ponto alto. Para Mário Soares foi verdadeiramente impressionante que Salazar tivesse feito uma pausa na sua alocução no momento em que afirmou ter o desejo de pôr um ponto final nos seus 38 anos no Governo (“eis um belo momento para pôr ponto nos trinta e oito anos que levo feitos de amargurado Governo”). Nessa altura, segundo Mário Soares, o ditador “lançou um olhar frio e dir-se-ia divertido pela pequena sala – um desses olhares oblíquos e implacáveis, por detrás dos óculos bifocais, encavalitados”, enquanto a “assistência de fiéis, apanhada de surpresa, reagiu contraditoriamente: houve vozes tímidas de protesto e aplausos dispersos e despropositados! Salazar, após ter medido, durante alguns segundos, a confusão geral, impôs silêncio e continuou, imperturbável” afirmando que afinal ficava. Como concluiu Mário Soares, o “encanto rompeu-se!”
Justamente o teor do discurso, o ritmo de Salazar na sua leitura e a reacção embaraçada e contraditória da audiência demonstravam aquela que se transformara desde 1961 na primeira questão política do Estado Novo: a sucessão de Salazar e a evolução do regime depois da saída deste. Ou seja, não eram apenas as oposições externas que combatiam Salazar e ansiavam pela sua partida. Dentro do regime, e embora doutra forma e com outras armas, combatia-se Salazar, o regime e ainda a forma de governo que este construíra à sua imagem e em função dos seus interesses políticos.
A última remodelação governamental consumada por Salazar e a crise política que a tornou inevitável ajudam-nos a perceber não apenas aquilo que politicamente era o Estado Novo, as suas tensões e as suas rivalidades, o choque de personalidades e de projectos, mas também permite que se procure interpretar aquilo que Salazar pretendeu executar politicamente com essa remodelação e aquilo que ela acabou por produzir, ou não tivesse Salazar sido substituído na presidência do Conselho pouco mais de um mês após a remodelação ter sido executada.

A Última Remodelação Governamental de Salazar…
No dia 19 de Agosto de 1968, consumou-se aquela que seria a última remodelação governamental com Oliveira Salazar na Presidência do Conselho. Esta remodelação é normalmente desvalorizada na história do salazarismo por dela ter saído um Governo com uma vida curta. De facto, em finais de Setembro, e na sequência da tomada de posse de Marcello Caetano como novo presidente do Conselho, o derradeiro Governo escolhido por Salazar parecia pouco mais do que um equívoco histórico. E no entanto, merece que se olhe para ele com alguma atenção, perscrutando as suas origens, o significado da sua composição e aquilo que antecipava e porquê.
A última grande remodelação governamental anterior à de Agosto de 1968, ocorrera em Abril de 1961, na sequência do fracasso do chamado “golpe Botelho Moniz”. Fez-se numa conjuntura de profunda crise política iniciada com o assalto ao Santa Maria (Fevereiro) e agravada pelo início da guerra em Angola (Março), a que sucedeu o citado golpe Botelho Moniz. Salazar assumiu então interinamente a pasta da Defesa (de 13-4-1961 a 4-12-1962), afastando Botelho Moniz (também foram exonerados a 13 de Abril os ministros do Exército e do Ultramar, passando Adriano Moreira a ser o titular desta pasta). Substituiu-se ainda Marcello Mathias por Franco Nogueira nos Negócios Estrangeiros e Arnaldo Schultz por Santos Júnior no Ministério do Interior (isto já a 4 de Maio). É verdade que entre a Primavera de 1961 e Agosto de 1968, nomeadamente nas mini-remodelações de 1961, 1962 (a maior das quatro), 1963 e 1965,  vários ministros saíram do Governo e outros trocaram de pastas. Por exemplo, Salazar abandonou a Defesa, Adriano Moreira o Ultramar (Dezembro de 1962), Antunes Varela a Justiça (onde permanecia desde 1954 até 1967), Theotónio Pereira a Presidência (Junho de 1961), Pinto Barbosa as Finanças, Teixeira Pinto a Economia e Arantes e Oliveira as Obras Públicas (que ocupou entre Abril de 1954 e Abril de 1967). Quase todas estas mudanças tiveram um significado político e eram o sinal de crises sectoriais ou gerais com reflexos no equilíbrio do regime e nos apoios que lhe eram proporcionados pelas suas várias sensibilidades e individualidades.
A remodelação de 1968 teve um parto difícil e, como outras, Salazar adiou-a o mais que pôde. No entanto, foi mais profunda e teve um maior significado político geral do que todas as ocorridas depois de 1961. Isto é tanto mais verdade se se tiver em conta que não foi imposta por uma crise política óbvia como foram aquelas que ocorreram em 1944, 1947, 1958 e 1961. Sabe-se que era esperada e até reivindicada por vários sectores do regime desde Janeiro de 1967, mas só se tornou possível e inevitável depois de, a 10 de Julho de 1968, o Conselho de Ministros ter aprovado a construção da muito polémica barragem de Cabora-Bassa em Moçambique. Luís Supico Pinto, o principal conselheiro político de Salazar, foi um dos arquitectos das mudanças operadas em 1968, tendo-se reunido quase diariamente com o chefe do Governo durante os meses de Julho e Agosto. Igualmente importante nesta remodelação foi o facto de Mário de Figueiredo e Soares da Fonseca, íntimos conselheiros políticos de Salazar e pertencentes à chamada ala ultra do regime, não terem sido ouvidos.
A vontade do presidente do Conselho e o ascendente de Luís Supico Pico, fizeram com que o Governo empossado a 19 de Agosto (já depois da queda de Salazar no Forte do Estoril) significasse uma clara abertura à ala marcelista do Estado Novo. Ou seja, Salazar levou ao presidente da República um Governo que, olhando ao perfil político da maioria dos seus membros, poderia ter sido designado por Marcello Caetano. As escolhas de Salazar penalizavam tanto os ultras e beneficiavam de tal forma os liberais, num contexto em que a idade de Salazar fazia adivinhar que este seria o último Governo por si escolhido, que Américo Thomaz manifestou o seu desgosto em relação a algumas escolhas, o mesmo sucedendo com Mário de Figueiredo e Soares da Fonseca. No entanto, a Américo Thomaz não lhe desagradava apenas a clara cedência de Salazar aos marcelistas. Também as mexidas nas pastas militares, cujas mudanças penalizavam oficiais da confiança do presidente a República, lhe mereciam reparo e incómodo. E tanto assim foi que as relações entre Américo Thomaz e Salazar se degradaram parecendo repetirem-se os desentendimentos entre os dois homens que, em 1958 e 1959, tinham marcado os primeiros anos do primeiro mandato do presidente da República.
Vista a génese e a composição do novo Governo, não é claro se Salazar ao escolhê-lo se rendeu – talvez apenas transitoriamente – ao partido liberal, ou se se limitou a fazer uma remodelação inevitável no seu significado político, dispondo-se a pagar politicamente o preço do recrutamento da maior parte dos seus novos membros junto do sector do regime com mais e melhores quadros políticos e técnicos e que, como que por ironia, era liberal e “marcelista”. Aliás, pode-se até argumentar que sabendo Salazar que só poderia remodelar o Governo nele incorporando marcelistas, adiou a dita remodelação o mais que pôde, nomeadamente por saber que os marcelistas – e o próprio Marcello Caetano – se opunham à construção da barragem de Cabora-Bassa.
Mas sendo o último Governo de Oliveira Salazar um Executivo marcelista, pode-se também perguntar qual teria sido o destino do Governo, dos ministros e do próprio presidente do Conselho caso este tivesse permanecido no seu posto durante mais um, dois ou três anos. Não houvesse Salazar sucumbido à doença, a sua acção poderia ter passado por tentar condicionar e, depois, por procurar derrotar os intuitos liberalizadores daqueles que designara. Controlá-los-ia no Governo como fizera com Marcello Caetano e outros “jovens liberais” nas remodelações de 1944 e 1955. Uma outra possibilidade passaria por Salazar aceitar uma derrota política definitiva às mãos dos liberais no que respeitava a todas as pastas técnicas ou de política interna, a troco da manutenção e consolidação da sua tutela sobre o Ultramar, a Defesa e os Negócios Estrangeiros, ou seja, sobre todas os ministros e ministérios que mais directamente interferiam com a políticas ultramarina e de defesa escolhidas em 1961. 
Mas no fundo o que conta é o facto de que tendo Marcello Caetano acabado por suceder a Salazar na presidência do Conselho, herdou um Governo que, na grande maioria dos ministros, e como já se disse, poderia por si ter sido escolhido. Ou seja, o último Executivo da responsabilidade de Salazar era já o primeiro Governo de Marcello Caetano e a primeira de várias derrotas políticas que os ultras averbariam até Abril de 1974.
Mas para que melhor se perceba a aparente excentricidade nas escolhas ou o adiamento permanente na decisão de remodelar, convém recordar que as qualidades intelectuais de Oliveira Salazar e o estado da sua saúde se foram degradando significativamente ao menos desde 1966. Testemunhos como os de Costa Brochado nas suas Memórias ou de Franco Nogueira em O Último Combate e em Um Político Confessa-se, dão notícia disso mesmo, sendo o primeiro mais peremptório quanto à gravidade da degradação do estado de saúde de Salazar. Por outro lado, e embora as consequências da queda de 3 de Agosto de 1968 só se tenham verificado mais de um mês depois, também se sabe que os primeiros sintomas de uma diminuição das suas capacidades físicas e intelectuais se poderão ter verificado ainda antes de consumada a remodelação. Isto quer então dizer que como em nenhuma outra recomposição ministerial pós 1933, incluindo a do Verão de 1958, terá tido Salazar uma influência tão reduzida, embora neste caso por motivos não políticos. No entanto, também convém notar que tendo sido Luís Supico Pinto o braço direito de Salazar na remodelação de Agosto de 1968, não é crível que a aposta nos liberais não tenha partido do presidente do Conselho. Isto porque, e como se verá na escolha do sucessor de Salazar, Supico Pinto esteve longe de ser um dos mais entusiastas apoiantes de Marcello Caetano na ascensão deste à chefia do Governo. Nessa altura, foram marcelistas indiscutíveis como Moreira Baptista e Duarte Amaral que aconselharam Américo Thomaz quanto à personagem a escolher para substituir Salazar.
Em resumo, tudo indica que Salazar optou por trabalhar com Supico Pinto, e não com Soares da Fonseca ou Mário de Figueiredo, ao mesmo tempo que ignorava as pretensões de Américo Thomaz, não por ter perdido lucidez política, mas pelo simples facto de que eram as escolhas feitas para o novo Governo aquelas que correspondiam às suas expectativas e interesses, fossem quais fossem umas e outros.

A Sucessão…
Apesar de ter sido seriamente ponderada por Américo Thomaz, e apoiada por alguns membros do Conselho de Estado, a continuação de Salazar à frente do Governo mesmo depois de ter sido dado como incapacitado, a verdade é que se concluiu que, politicamente, aquela não era uma opção válida. Se a sucessão tinha que se fazer, e independentemente da última palavra, segundo a Constituição, quanto à exoneração e indigitação de um novo presidente do Conselho, pertencer ao chefe do Estado, a verdade é que este tinha que se aconselhar para poder escolher. Aconselhou-se e escutou chefes militares, conselheiros pessoais, notáveis do regime, conselheiros de Estado. Porém, uma coisa é certa. Desde muito cedo, e vista a indisponibilidade, por motivos de saúde muito graves, de Theotónio Pereira poder suceder a Salazar, Marcello Caetano era a individualidade do regime com maior possibilidade de poder vir a ocupar o lugar que Salazar deixava vago. É verdade que Antunes Varela estava teoricamente na corrida. Era inteligente, tinha larga experiência governativa e era suficientemente conservador para dar garantias de que a mudança de chefe de Governo e uma inevitável evolução do regime não conduziria à sua descaracterização. No entanto, não reunia apoios suficientes dentro do regime, ligara-se, segundo alguns, ao mundo dos negócios, e é até possível que não quisesse assumir uma responsabilidade tão pesada. Outra hipótese era Franco Nogueira que, talvez, e dado o protagonismo que assumira durante mais de sete anos no cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros e uma certa intimidade política e pessoal que lhe advinha do convívio com Salazar, pudesse pensar que poderia ser o escolhido. Ainda assim, porque era novo, porque vinha de fora do regime e porque não criara apoios políticos sérios e estáveis no seio daquele, não poderia suceder a Salazar. A este facto juntava-se um argumento de peso, apesar de falacioso. Permanecendo nos Negócios Estrangeiros, como lhe foi exigido, Franco Nogueira dava garantias de que a política externa e a diplomacia de Portugal continuariam a manter um rumo apesar de tudo relativamente bem sucedido num ambiente internacional hostil. Passasse Franco Nogueira para a presidência do Conselho e talvez, como se dizia, se ganhasse um bom primeiro-ministro, mas perdia-se certamente um excelente ministro dos Negócios Estrangeiros. Havia depois, e por fim, a hipótese Adriano Moreira. Era o mais jovem de todos, professor universitário como Marcello Caetano, adversário deste por razões espúrias e que, por isso, o tornavam numa má solução se se pretendesse escolher um sucessor de Salazar que fosse capaz de unir o regime num momento de profunda crise. Com ele à frente do Governo seria quase impossível que os marcelistas continuassem a colaborar com a situação. Por outro lado, Adriano Moreira saíra do Ministério do Ultramar em 1962 como resultado de uma forte pressão exercida por sectores civis e militares contra as suas políticas e a sua pessoa. Finalmente, e tal como Antunes Varela ou Franco Nogueira, de quem também era inimigo político e mantinha inimizades pessoais, Adriano Moreira não construíra uma facção no seio do regime, nem tinha onde ir recrutar gente para formar um novo Governo e com ela tomar conta de boa parte das instituições vitais do regime.
Como Luís Supico Pinto, por razões nunca reveladas, se colocou fora da sucessão de Salazar, restava Marcello Caetano. Este, embora sempre tenha negado ambicionar vir a ocupar o lugar de Salazar (disse-o várias vezes antes e depois de 1968), não só estava disponível e com vontade, como reunia em torno de si inúmeros e importantes apoios provenientes de diversos sectores do regime que, por isso, tornavam a sua escolha quase inevitável. Como se não bastasse, há quem garanta (Manuel Maria Múrias) que, na sua casa no Linhó e no seu escritório na avenida António Augusto Aguiar, Marcello Caetano não fez outra coisa a partir do início de Setembro que não fosse discutir a sucessão de Salazar e manobrar e fazer manobrar os seus partidários no sentido tornarem o veredicto do presidente da República, no momento da sucessão, favorável à sua pessoa. Mas comportava-se como se fosse o único que não acreditava que iria ser o escolhido. Como parte das suas manobras, a 16 de Setembro, depois de na véspera Salazar ter tido uma recaída que afastava qualquer possibilidade de poder vir a recuperar e tornar a ser politicamente activo, Marcello Caetano apareceu pela primeira vez no Hospital da Cruz Vermelha em Benfica. A 17 realizou-se a primeira reunião do Conselho de Estado para avaliar a situação e acertar uma decisão. Foi aqui que todos os conselheiros, com excepção do marcelista Albino dos Reis, aceitaram como boa – em silêncio ou de viva voz – a possibilidade de Salazar continuar titular da presidência do Conselho e de alguém o poder substituir apenas interinamente. Porém, Américo Thomaz mudou de ideias e decidiu avançar para a tomada de uma decisão – a substituição de Salazar – com a qual, mais cedo do que tarde, teria que se confrontar e que andava no ar há já alguns anos. Começou então a ouvir gente do regime em audiências que duraram uma semana. Um por um escutou todos os conselheiros de Estado, chanceleres das ordens civis e militares, juizes, chefes militares, personalidades mais destacadas com assento na Assembleia Nacional e na Câmara Corporativa, antigos ministros, amigos, gente dos negócios, gente ligada à Igreja católica, burocratas. Nesta altura, o resultado parecia ser apenas um: “Cada cabeça sua sentença.”
Perante a inevitabilidade da sucessão, tudo indica que Soares da Fonseca começou a conspirar com dois objectivos: impedir que o sucessor fosse Marcello Caetano e encontrar alguém suficientemente credível e consensual junto dos ultras e outros não marcelistas para contrapor ao candidato mais forte. Certo é que nada conseguiu. Marcello e os marcelistas mexiam-se mais e melhor. Além de muitos dos seus estarem já no Governo, Marcello Caetano tinha prestígio dentro e fora do Governo e do regime. Era, muito justamente, uma esperança de mudança no sentido da abertura e liberalização do regime e, até, da introdução de modificações na política ultramarina, o que significa que havia um sentimento geral no país que favorecia a nomeação de um sucessor que não fosse um segundo Salazar. A tudo isto juntava-se o facto dos seus partidários na agência noticiosa do regime – Dutra Faria e Barradas de Oliveira, por exemplo – ou fora dela – como Moreira Baptista – terem lançado uma campanha junto de órgãos de informação estrangeiros com o objectivo de apresentarem Marcello Caetano como a escolha de que o país necessitava e clamava, ao mesmo tempo que mostravam a notáveis do regime os telegramas dos media estrangeiros em que se apresentava como inevitável a hipótese Marcello como uma solução que satisfaria terceiros países amigos de Portugal.
Nas vésperas da escolha de Marcello, e quando esta parecia inevitável, um grupo de antimarcelistas “plebeus” tentou pressionar Américo Thomaz mas não foi recebido. Ainda assim o grupo falou com Correia de Oliveira e com Mário de Figueiredo já muito doente, na esperança de que estes conseguissem poder vir a influenciar a escolha do presidente da República. Mário de Figueiredo, depois de escutar quase sem interromper os seus interlocutores, afirmou com enorme lucidez que os antimarcelistas reunidos à sua frente, como ele próprio, estavam “degraçados”. O grupo dirigiu-se depois a Soares da Fonseca. Para este o sucessor de Salazar deveria ser alguém discreto e “cinzento” e, claro, nunca Marcello Caetano. Soares da Fonseca confiava que não só Thomaz nunca escolheria Caetano, como as próprias chefias militares o vetariam, nomeadamente por causa do seu memorial sobre a política ultramarina do regime redigido em 1962 e onde criticava a estratégia colonial de Salazar ao propor uma solução federal como saída para o problema. Mas a verdade é que Soares da Fonseca e os ultras se encontravam paralisados pela prosaica razão de não possuírem qualquer alternativa forte e credível. Américo Thomaz percebeu esta fatalidade, muito reforçada pelas pressões e manobras exercidas pela corte marcelista com quem amiudadas vezes se aconselhava antes e depois da crise de sucessão de Salazar, e avançou para a única solução que tinha disponível. Optou por Marcello Caetano consciente dos riscos que a escolha comportava, nomeadamente na questão ultramarina. Daí que lhe tenha imposto duas condições na conversa definitiva que manteve com Marcello: a continuação de Franco Nogueira na pasta dos Negócios Estrangeiros e o prosseguimento da política ultramarina, recordando que caso o futuro presidente do Conselho tergiversasse nesta as Forças Armadas interviriam. Por último, é possível, mas não seguro, que Thomaz tivesse a convicção íntima de que o primeiro sucessor de Salazar se queimaria politicamente num espaço de tempo mais ou menos curto. E se assim era, melhor seria que fosse Marcello Caetano a vítima. O mandato de Caetano mostrou que de facto aqueles que sustentavam que o primeiro sucessor era para queimar tinham razão. O problema, na óptica do regime, foi que já não houve lugar à nomeação do sucessor de Marcello Caetano.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Absolutamente


Enquanto a frase "não há alternativa" se aplicava apenas à austeridade em geral, a frase era sensata e suscitava uma aquiescência triste, mas cordata. Não era um irritante, mas uma inevitabilidade, que pessoas racionais sabiam não poder ser contornada. "Não havia alternativa." 
Depois a frase começou a azedar. Primeiro, havia quem dissesse que "não havia alternativa" com ar feliz, como quem diz, portaram-se mal, "viveram acima das vossas posses" e por isso precisam de um tratamento drástico de "austeridade". Não o Estado, não o Governo, não os políticos, não os bancos, não as pessoas imprevidentes e gastadoras, mas "todos". Ora quando chegou ao "todos", a frase tornava-se injusta, e quando se tornou habitual como um instrumento discursivo na política, começou e bem a irritar todos aqueles que sabiam não fazer parte desses "todos".
O moralismo, aliado ao paternalismo, começou a fazer estragos na "inevitabilidade". Porque uma coisa era ter de passar mal uns tempos para consertar um país, que fora muito estragado pelas governações mais recentes, outra é ter de ouvir uma reprimenda moral associada a medidas que são apresentadas como se fossem punições, palmadas no aluno mal comportado que não fez "o trabalho de casa". Diga-se de passagem que a história adolescente do "trabalho de casa" é também um pequeno irritante.
Hoje o "não há alternativa" é usado para blindar das críticas as políticas do Governo, fazendo esquecer que elas são opções entre várias "alternativas". Se não houvesse "alternativas", não precisávamos de um governo para coisa nenhuma, bastava um comité de técnicos para aplicar uma "ciência" incontestável. Não é assim e por isso a questão da qualidade da governação vem ao de cima cada vez mais, com resultados pouco brilhantes.
Por isso, estar sempre a ouvir que "não há alternativas" à medida A ou B, faz-nos lembrar o cemitério de medidas para as quais não havia "alternativa" e que ficaram pelo caminho. Por exemplo: a meia hora suplementar diária. Já chega de "inevitabilidades" que irritam.»

domingo, 16 de setembro de 2012

A relação difícil da peneira com o sol


O post aqui linkado tem um propósito, seja qual for a origem e o objectivo da sua divulgação (informação ou contra-informação): "tapar o sol com a peneira." Tudo por causa de uma foto que não retrata uma multidão a manifestar-se na avenida de Berna em Lisboa ontem à tarde, mas que, digo eu, também não sei se ilustra uma manifestação em Istambul.

sábado, 15 de setembro de 2012

Por causa da crise política


Suponhamos que Pedro Passos Coelho e os que com ele cozinharam o "pacote" de medidas apresentadas na sexta-feira, dia 7 de Setembro, têm toda a razão. Não há alternativa, é possível "modular", a tróica exige, o "ajustamento" também, etc. Mesmo que assim seja, e não importa agora a minha opinião sobre o assunto, há uma coisa que qualquer político experimentado devia saber, deve saber. Em política, como na vida, é necessário ter razão, mas a maior parte das vezes não é suficiente.

“Only Thing We Have to Fear Is Fear Itself”


As manifestações de esta tarde, um pouco por todo o país, feitas essencialmente contra os crescentes desmandos políticos e morais do Governo, têm sido alvo de ataques que radicam exclusivamente na intenção de provocar medo àqueles que venham a manifestar-se ou a mostrarem-se e/ou a sentirem-se solidários com os propósitos das manifestações. Contra aqueles que usam o argumento do medo para desmobilizarem compatriotas seus que livremente se manifestam, tencionam manifestar-se, ou apoiam quem se manifesta, só me lembro de uma resposta óbvia e que foi dada pelo presidente Franklin Delano Roosevelt no seu discurso inaugural em 1933: "a única coisa de que devemos ter medo, é do próprio medo". E, portanto, agir em conformidade, mostrando toda a nossa repugnância para com todos aqueles que, ilegitimamente, usam o medo como única e exclusiva arma política.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A Coligação


Apesar de continuar a pensar que a coligação partidária que sustenta o Governo não estará (ainda) em risco, as sucessivas declarações feitas por responsáveis do CDS e do PSD, afirmando que a dita está forte e se recomenda, começam provocar-me algumas dúvidas. Digo isto porque se assemelham àquilo que os presidentes dos clubes de futebol dizem aos jornalistas quando perceberam que têm de despedir o treinador da equipa principal.

sábado, 8 de setembro de 2012

Continuidades


Ao ler este post de Carlos Botelho no Cachimbo de Magritte, deixei nos comentários uma nota que para já, e vista a informação disponível, resume aquilo que do meu ponto de vista foi o grande objectivo político da declaração de ontem do primeiro-ministro.
"Por acaso, Carlos, também me ocorreu a ideia de acto voluntário/suicidário. Os estrategas do Governo reconhecem a sua incapacidade para resolverem os problemas e apostam tudo na insubordinação às mãos dos demais pilares político-institucionais do regime. Se estes transigirem acham que ficam com uma espécie de poder absoluto. Se não transigirem, o Governo, o PSD e CDS julgam que podem sair disto tudo como vítimas e, supostamente, de cara lavada (ou sem perderem a face). Como sucedeu com Sócrates por causa do PEC IV. Só que o dito Sócrates não tinha apoio maioritário na Assembleia da República, para além de muitas outras circunstâncias não se verificarem agora. Mas a linha de continuidade entre Sócrates e Passos Coelho está também na forma escolhida para cortarem um real, ou suposto, nó górdio. Vê-se bem que é a escola política das 'jotas.'"

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Quem branqueia o quê e porquê: por causa de uma falsa polémica historiográfica


A História de Portugal de que Rui Ramos é autor e que coordenou, editada pela Esfera dos Livros e entretanto oferecida, em fascículos, pelo jornal Expresso aos seus leitores, gerou uma  espécie de polémica que foi despoletada no jornal Público por dois (mais um) artigos de opinião da autoria de Manuel Loff. Nestes três textos, o professor da Universidade do Porto atacou pessoal e politicamente o trabalho de historiador de Rui Ramos por causa dos capítulos que redigiu sobre a I República, a Ditadura Militar e o Estado Novo. A prosa de Manuel Loff mereceu não apenas uma resposta de Rui Ramos que desmentia todas as afirmações pseudo-historiográficas e pseudo-históricas produzidas nas suas duas primeiras crónicas, mas alargou a outros historiadores e cientistas sociais uma discussão em torno da qualidade e da legitimidade do trabalho de Rui Ramos e das interpretações por si apresentadas na obra em causa para os períodos citados da História do Século XX português.
Ora o problema de toda esta questão, ao contrário do que ingenuamente (?) parece pensar João Paulo Avelãs Nunes no seu texto de hoje no Público, ou Fernando Rosas no testemunho publicado neste mesmo jornal na passada Segunda-feira, não é nem nunca foi historiográfico. Manuel Loff fez apenas um juízo sobre o carácter e as putativas posições políticas e ideológicas de Rui Ramos depois de citar, deturpando propositadamente, algumas passagens do trabalho de Rui Ramos. Não percebo, por isso, e muito sinceramente, esta atitude da parte de dois colegas que muito prezo pessoal e profissionalmente. É que nem João Paulo Avelãs Nunes, nem Fernando Rosas (de quem fui aluno de licenciatura, de mestrado e que co-orientou a minha tese de doutoramento que defendi na Universidade de Évora), e que seja do meu conhecimento, alguma vez defenderam ou praticaram os métodos de Loff. Que razão então para esta espécie de comportamento? Solidariedade para com o colega que, não sabendo estar à altura das exigências próprias do trabalho de reflexão crítica, foi alvo de respostas contundentes que puseram absolutamente em causa os seus métodos? Note-se que além de Rui Ramos, António Araújo, Filomena Mónica e António Barreto, também Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro  (co-autores da loffianamente julgada História de Portugal), demonstraram aquilo que é o conteúdo completamente descabido das três crónicas de Manuel Loff reproduzidas no Público. Perguntarei então: Fernando Rosas e João Paulo Avelãs Nunes agem em nome de uma solidariedade político-ideológica entre historiadores simpatizantes/militantes do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda? Muito me espanta, nem que seja porque Fernando Rosas não apenas foi vítima do assédio político dos comunistas portugueses que sistematicamente, e durante anos, puseram em causa o seu trabalho de historiador, como nunca pensei, e continuo a não pensar, que Fernando Rosas, e também João Paulo Avelãs Nunes, defendam uma historiografia portuguesa de sentido e de pensamento único. Amizade e a solidariedade política são importantes e definem bastas vezes positivamente o carácter das pessoas. No entanto, e neste caso, acho que a amizade e a solidariedade pessoal, política e académica foram demasiado longe. E isso Rosas e Avelãs Nunes vê-lo-ão, se é que já não viram, no dia em que os seus trabalhos sejam deturpados com propósitos indignos, sejam eles historiográficos, pessoais, políticos, académicos, ou outros.
É, portanto, óbvio que o debate entre historiadores com diferentes ideias, métodos, perspectivas, fundamentos teóricos, pode e deve existir. O que não pode nem deve existir é a cobertura intelectual, ética e moral aos procedimentos de Manuel Loff que tinham apenas como objectivo lançar lama sobre o nome do cidadão Rui Ramos. Portanto, a questão aqui não é saber quem é que branqueia ou não branqueia, legitima ou não legitima, por exemplo, Salazar e o Salazarismo. O problema é saber até que ponto, e aparentemente por mero tacticismo político (ou será por profunda amizade?), reputados historiadores estão na disposição de manchar o seu bom nome para branquearem e legitimarem uma falsa e vil forma de debater a história do século XX português e um dos seus historiadores mais apreciados, tanto entre o grande público como no meio académico.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Paulo Morais


Não me canso de concordar com as análises que Paulo Morais vai fazendo desta nossa desditosa pátria. Esta semana escreve no Correio da Manhã sobre as "avaliações" da Troika. Se calhar, um dia, terei que virar o bico ao prego. Mas enquanto o pau vai e vem... cabem o elogio e apoio incondicional à lucidez e à coragem.

O blog que Edward Gibbon certamente leria


Há um trio virtuoso a pensar e a escrever num novo blog que parece evocar Edward Gibbon. Chama-se "Declínio e Queda" e só lá faltam um ou dois nomes para reunir todos os meus bloggers portugueses preferidos. O título do blog, como é óbvio, presta-se a muitas reflexões e conjecturas. Longa vida é o que se deseja. E um abraço ao Pedro, ao Filipe e ao Luís.

Patético


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Alberto Nuñez Feijóo


Nas eleições na Galiza em Outubro, Alberto Nuñez Feijóo deverá ser reconduzido como presidente da Xunta. Daqui por três ou quatro anos será ministro do Governo espanhol. Talvez um dia acabe presidente de um Governo do Partido Popular. Por mim, gostava que Portugal tivesse um primeiro-ministro assim. E não apenas porque dessa forma me reconciliaria com a direita, a minha família política. Sobretudo porque teríamos um chefe de Governo normal, intelectualmente capaz, honesto, equilibrado, ética e moralmente decente. É pedir demasiado, não é?

A 5.ª Avaliação


Na "5.ª Avaliação", a Troika ia fazer assim ou ia fazer assado. Basicamente, iria ser "compreensiva", dar mais tempo e mais dinheiro, transigir umas décimas nas metas do défice de 2012, porque os portugueses têm feito muitos sacrifícios e, ainda por cima, são bois mansos "bons alunos". E a despesa pública também desceu, ao que parece. Tudo isto porque o incumprimento do défice público deste ano será substancial, devendo andar pelos 6,5%, 7%, quando as contas estiverem fechadas (e sem a adopção de grandes "medidas extraordinárias" pelo Governo). 
Afinal, e segundo o testemunho dos parceiros sociais que esta manhã estiveram à conversa com os representantes do FMI, da CE e do BCE, a Troika limita-se a lavar as mãos como Pilatos. Se o "ajustamento" está correr mal a culpa é do Governo português e dos governados. A Troika não tem nada que ver com o assunto. Empresta o dinheiro enquanto tiver que ser. Quando não tiver que ser, fecha a torneira da "liquidez".
Ou seja, se quer mudar alguma coisa o Governo deverá falar com a chanceler alemã. Mas o Governo não quer. Acha que os portugueses têm que sofrer porque tiveram vida folgada nestes últimos dez a quinze anos.
Se ao menos houvesse um estadista em São Bento e outro nas Necessidades.

domingo, 2 de setembro de 2012

Como eu vejo a novela da concessão da RTP


Quanto mais aprecio a novela da privatização/concessão da RTP tal como António Borges lhe deu início já lá vai mais de uma semana, mais convencido fico que o Governo quer tanto privatizar/concessionar a RTP como os portugueses querem que lhes cortem salários, aumentem os impostos ou os despeçam. É que se a intenção do Governo fosse aquela que proclama, toda esta história teria sido preparada e contada de outra maneira. Assim, e como estão as coisas, o Governo já tem todas as razões, e mais algumas, para manter as coisas mais ou menos como estão. Fá-lo-á, por exemplo, com o argumento de que não privatiza em nome da preservação da coligação governamental e da inerente estabilidade política. Por isso, e como sempre desejou, Relvas cortará daqui, gastará dali, demitirá o caro ou o politicamente inconveniente de acolá e contratará caríssimo e politicamente dócil ao virar da esquina.
De tudo isto, só não percebo é como é que há "liberais", e não só, apoiantes ou não deste Governo e/ou dos seus chefes políticos - Coelho e Relvas -, que continuam a levar a sério os mais que evidentes alegados intuitos privatizadores/concessionadores do Governo. Ainda por cima, muitos desses apoiantes não são propriamente gente com pouca massa cinzenta.
Mas é claro que eu poderei não ter razão.