sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Quem branqueia o quê e porquê: por causa de uma falsa polémica historiográfica


A História de Portugal de que Rui Ramos é autor e que coordenou, editada pela Esfera dos Livros e entretanto oferecida, em fascículos, pelo jornal Expresso aos seus leitores, gerou uma  espécie de polémica que foi despoletada no jornal Público por dois (mais um) artigos de opinião da autoria de Manuel Loff. Nestes três textos, o professor da Universidade do Porto atacou pessoal e politicamente o trabalho de historiador de Rui Ramos por causa dos capítulos que redigiu sobre a I República, a Ditadura Militar e o Estado Novo. A prosa de Manuel Loff mereceu não apenas uma resposta de Rui Ramos que desmentia todas as afirmações pseudo-historiográficas e pseudo-históricas produzidas nas suas duas primeiras crónicas, mas alargou a outros historiadores e cientistas sociais uma discussão em torno da qualidade e da legitimidade do trabalho de Rui Ramos e das interpretações por si apresentadas na obra em causa para os períodos citados da História do Século XX português.
Ora o problema de toda esta questão, ao contrário do que ingenuamente (?) parece pensar João Paulo Avelãs Nunes no seu texto de hoje no Público, ou Fernando Rosas no testemunho publicado neste mesmo jornal na passada Segunda-feira, não é nem nunca foi historiográfico. Manuel Loff fez apenas um juízo sobre o carácter e as putativas posições políticas e ideológicas de Rui Ramos depois de citar, deturpando propositadamente, algumas passagens do trabalho de Rui Ramos. Não percebo, por isso, e muito sinceramente, esta atitude da parte de dois colegas que muito prezo pessoal e profissionalmente. É que nem João Paulo Avelãs Nunes, nem Fernando Rosas (de quem fui aluno de licenciatura, de mestrado e que co-orientou a minha tese de doutoramento que defendi na Universidade de Évora), e que seja do meu conhecimento, alguma vez defenderam ou praticaram os métodos de Loff. Que razão então para esta espécie de comportamento? Solidariedade para com o colega que, não sabendo estar à altura das exigências próprias do trabalho de reflexão crítica, foi alvo de respostas contundentes que puseram absolutamente em causa os seus métodos? Note-se que além de Rui Ramos, António Araújo, Filomena Mónica e António Barreto, também Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro  (co-autores da loffianamente julgada História de Portugal), demonstraram aquilo que é o conteúdo completamente descabido das três crónicas de Manuel Loff reproduzidas no Público. Perguntarei então: Fernando Rosas e João Paulo Avelãs Nunes agem em nome de uma solidariedade político-ideológica entre historiadores simpatizantes/militantes do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda? Muito me espanta, nem que seja porque Fernando Rosas não apenas foi vítima do assédio político dos comunistas portugueses que sistematicamente, e durante anos, puseram em causa o seu trabalho de historiador, como nunca pensei, e continuo a não pensar, que Fernando Rosas, e também João Paulo Avelãs Nunes, defendam uma historiografia portuguesa de sentido e de pensamento único. Amizade e a solidariedade política são importantes e definem bastas vezes positivamente o carácter das pessoas. No entanto, e neste caso, acho que a amizade e a solidariedade pessoal, política e académica foram demasiado longe. E isso Rosas e Avelãs Nunes vê-lo-ão, se é que já não viram, no dia em que os seus trabalhos sejam deturpados com propósitos indignos, sejam eles historiográficos, pessoais, políticos, académicos, ou outros.
É, portanto, óbvio que o debate entre historiadores com diferentes ideias, métodos, perspectivas, fundamentos teóricos, pode e deve existir. O que não pode nem deve existir é a cobertura intelectual, ética e moral aos procedimentos de Manuel Loff que tinham apenas como objectivo lançar lama sobre o nome do cidadão Rui Ramos. Portanto, a questão aqui não é saber quem é que branqueia ou não branqueia, legitima ou não legitima, por exemplo, Salazar e o Salazarismo. O problema é saber até que ponto, e aparentemente por mero tacticismo político (ou será por profunda amizade?), reputados historiadores estão na disposição de manchar o seu bom nome para branquearem e legitimarem uma falsa e vil forma de debater a história do século XX português e um dos seus historiadores mais apreciados, tanto entre o grande público como no meio académico.

5 comentários:

  1. Aquilo que o PC e o Bloco criticam é o posicionamento político do adversário e nada mais. É bem certo que este tipo de religiosidade solidária pode conduzir a factos caricatos como aquele ocorrido em 2010, na pavorosa exposição da República na Cordoaria. Após aquele fastidioso, estalinistamente disposto cortejo de violências, falências e incapacidades do regime que a dita expo pretendia exaltar, uma miúda lapidarmente perguntava à "rósea ou loffiada" guia, aliás bastante embaraçada:

    ..."quer dizer, pela forma como isto acaba, Salazar foi um alívio para todos e salvou a república?"

    ResponderEliminar
  2. Exactamente! Para muitos republicanos (católicos e até monárquicos), a "República" só se salvaria com Salazar e aquilo que ele, bem ou mal, representava.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Talvez aqui possa estar a chave para as inovações, se as há, de Rui Ramos -poderá ser menos a história correcta do Salazarismo do que a história daqueles que não viram e viveram o salazarismo da mesma forma que a esquerda.

      O Salazarismo não é uma coisa, é a experiência que as pessoas tiveram e têm dele - e nesta houve, e há, quem gostasse muito, quem não gostasse nada e quem gostasse mais ou menos - e assim, a gosto, haverão as histórias do salazarismo.

      Este é, a meu ver, o núcleo traumático, digamos assim, da ciência da história. Os historiadores não falam dele, naturalmente, mas há na leitura da história uma coisa tão simples como os gostos do historiador.

      João.

      Eliminar
  3. Caro João: para um historiador nem seque se coloca a questão de gostar ou não gostar de um regime político que já foi (seja ele o salazarismo, a I República, outro). Para o historiador o importantes é estudar, analisar, o seu "objecto" com a maior objectividade possível, o que não quer dizer que não acabe por emitir juízos ou opiniões. Mas aqules e estes decorrem da análise objectiva que tem regras.

    ResponderEliminar
  4. Caro Fernando, eu não vou dizer que não há regras - na verdade, tomo como um dado adquirido, que há regras. Por isso é que eu usei a metáfora do núcleo traumático, para indicar o que nenhuma regra consciente consegue abolir.
    Qualquer trabalho de investigação, especialmente de investigação histórica, pode ser virtualemente infinito - há virtualmente sempre mais um elemento mais que se poderia juntar aos que se reuniram, uma perspectiva que se poderia juntar às perspectivas que se levaram em conta e por aí fora, de modo que há um momento - que vou chamar de intervenção directa do historiador na história - em que o historiador decide que não há mais a interpretar e resta passar a escrever a história. Sem este momento nenhuma história é escrita, nenhum livro nunca seria terminado.

    É aqui, nisto que eu chamo de intervenção do historiador na história, que a meu ver deslizam os gostos do historiador.

    Acredito que possam haver casos onde o historiador acabe por escrever contra todas as suas inclinações e gostos iniciais mas isto, como julgo que concordará, é raro e será uma experiência muito próxima de uma conversão - quase como a de Paulo a caminho de Damasco.

    João.

    ResponderEliminar