quinta-feira, 22 de março de 2012

Greves

Era eu uma criança, poucos antes e mesmo já depois do 25 de Abril, contavam-me as minhas avós, uma vez por outra, o que eram as greves e as revoluções no tempo em que elas eram adolescentes ou jovens adultas. Uma tinha chegado a Lisboa vinda Galiza no início da década de 1920 e vira muita coisa ao balcão de uma taberna e de uma carvoaria na Ajuda. A outra, algarvia, viveu em Tavira até à década de 1950, e aquilo que sabia de greves e de revoluções das décadas de 1920 e 1930, para além de um ou outro episódio mais picante que podia presenciar - afinal Tavira era uma cidade com alguma "tropa" -, tinha como origem o que se passava em Lisboa e noutros pontos quentes (porque "industrializados") do país. E que greves eram estas? Eram episódios de grande violência, em que tiros eram trocados, bombas e petardos lançados, propriedade era atacada e destruída, em que a tropa (Exército e Marinha) saía para a rua, em que carris eram arrancados, comboios descarrilados, locomotivas sabotadas, grevistas, militares e polícias eram mortos ou ficavam muitas vezes seriamente feridos. Enfim, eram greves gerais que ambicionavam, para além de aliviarem a situação de miséria em que viviam as classes trabalhadoras, pôr o mundo de pernas para o ar.
Embora tenha sido contemporâneo de greves e manifestações de trabalhadores nos sete ou oito anos que antecederam o 25 de Abril, não dei naturalmente por nenhuma. Depois daquela data, sobretudo entre 1974 e 1985 ou 1986, observei muitas outras com alguma atenção, curiosidade e expectativa. No entanto, nenhuma delas, porque os tempos eram outros, se aproximou daquilo que as minhas avós me tinham contado. Ainda que seja verdade que durante todo o PREC  e mesmo depois, muitas movimentações de trabalhadores da indústria, das minas e da agricultura alentejana e ribatejana, e até de militares, tenham sido dignas de respeito, causadoras de medos ou de expectativas que se revelaram infundadas, a repressão abrandara e, sobretudo, os comunistas e a extrema esquerda não eram os anarco-sindicalistas de outros tempos.
Por tudo isto, portanto, só posso dizer que as greves gerais a que Portugal assistiu nos últimos trinta anos, para não dizer a todas as grandes paralisações que se fizeram desde de Abril de 1974, são para mim um enorme tédio. Mesmo que indiscutivelmente legítimas e até necessárias, servem essencialmente para ocupar jornalistas e excitar personagens mais ou menos obscuras que, na rectaguarda de grevistas ou de governantes, pretendem transformar eventos banais em acontecimentos do domínio do transcendente.
E é nisto que estamos. Mas pode ser que mude. Afinal Portugal já esteve mais longe de regressar àqueles mais de 30 anos de chumbo que se viveram entre nós e por toda a Europa depois de iniciada a Primeira Guerra Mundial.

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